Eu, eu mesmo?!
Tão assustado que eu
já não sabia se era três da manhã ou cinco da tarde, havia tanta sede dentro de
mim que era inexplicável o que estava acontecendo, os ventos sopravam e era úmido
mas eu podia sentir suor em mim, em pouco tempo o relógio já apontava seis e
vinte e nem sequer eu, poderia me reconhecer, decidi ser palhaço e distribuir
risadas, meu cabelo não era mais meu, minhas meias, uma de minha mãe e outro de
meu irmão do meio, combinavam perfeitamente com os sapatões de meu pai, caí na
estrada cedo, não queria perder a trupe, que a muito já erguiam acampamento.
Segui sendo palhaço,
mas a tempo eu já não sentia o frio na barriga, não havia mais aquilo que me
movia, eu precisava de mais, eu queria mais, esse “mais” era gigantesco e mais
uma vez inexplicável, e lá eu já seria Joana. Cantaria e dançaria, me afastaria
ainda mais daquele menino que jogava bola e catava goiaba, e o mundo é tão
grande e as horas passam tão depressa e a pressa já não me pertence à tanto
tempo, que as noites já não eram suficientes,
e outra vez quis ser palhaço mas palhaço já não quero ser, então quis ser
artesão e poder criar esculturas incriáveis, mas depois disso fui tantas coisas
que agora já se passaram tantos amanheceres, que já pude me despedir de mim
mesmo, que nem me lembro mais nome dado por meus pais.
E nesse exato
momento me chamam de Carlos, Antônio e até de Maria e eu ainda não sei quem
sou, passei tanto tempo querendo ser um outro eu, me espelhando nos outros, que
esqueci do que gosto, já não sei dizer qual é minha comida preferida, sempre
acho que é tofu como a do meu eu, José que tem avós coreanos, eu quero
saber de tudo, mas acabo por não saber de nada, eu nem mesmo descobri quem sou, não fiquei para ser acordado pela minha mãe e abrir meu presente de quinze
anos, que agora, já nem lembro quantos aniversários já se passaram, mas todas
as manhãs, encaro minha caixa velha, com seu tom verde apagado e imagino o que
há dentro dela, gosto de pensar que quando eu achar o caminho para o meu “eu”,
ela vai me fazer lembrar do meu verdadeiro nome, e enfim, vou poder ser espelhos.
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